Bem vindo ao Via Consciência, um blog dedicado à comunicação conscienciológica, onde o ser humano em evolução é o principal tema de pesquisa.

Todos os textos neste blog são de autoria de Mário Luna Filho, salvo aqueles em que a fonte for mencionada. Críticas e comentários são bem vindos.

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sábado, 5 de fevereiro de 2011

Onde a Religião Começa

A discussão sobre religião e ciência tem inspirado autores os mais diversos, sobretudo, ao longo desta década e algumas publicações merecem destaque, como "O Fim da Fé" de Sam Harris, "Deus Não é Tão Grande" de Christopher Hitchens e "Deus: um Delírio" de Richard Dawkins. Em todas elas há um interesse demasiadamente científico em investigar a existência de Deus, buscando utilizar a razão em novas abordagens aos métodos do pensamento religioso e a lógica na concepção divina.

Essas publicações fazem também um alerta sobre os perigos da manipulação de líderes religiosos em geral, assim como ressaltam a importância do senso crítico. Contudo, mais do que expor a intenção de revisar os valores das religiões, essas obras visam não apenas lembrar o passado violento do poder eclesiástico e contar os seus mortos (leia-se Inquisição e Cruzadas), mas igualmente oferecer modelos não-religiosos (leia-se Ciência) para se chegar à verdade "absoluta," o que parece uma intenção equivocada, pois o universo nos mostra que a verdade nele contida é irremediavelmente renovável.

Um modelo de pensamento baseado em fatos e casuísticas pessoais, na construção de uma verdade relativa de ponta, entretanto, não parece ser de forma alguma do interesse da Igreja e nem do interesse da Ciência. Se a autoridade da Igreja tem sido indiscutível ao longo de dezenas de séculos, primeiro, como parceira da monarquia, e mais tarde, como conselheira de governantes dos mais díspares regimes, a classe científica se mostra cética e inflexível com qualquer forma de teoria baseada unicamente no auto-experimento e não abre mão da observação terceirizada. Em ambas, a liberdade de pensamento tem os seus limites.

Contudo, a validade mesmo questionada da Igreja de hoje mostra que sua postura dogmática e doutrinadora de outrora ainda atende às necessidades espirituais da grande maioria dos seres humanos. O exercício da espiritualidade usado pelas religiões pode ser uma evidência clara do atual momento evolutivo no planeta: utilizando uma forma de pensamento rudimentar (adoração) e primária (crença), o ser humano devoto ainda precisa de um líder religioso para (1) lhe mostrar um caminho salvador, (2) apresentar evidências de um Criador universal, onipotente e onipresente, capaz tanto de iluminar vidas com dádivas como escurecê-las com punições, (3) interpretar os ensinamentos de um salvador santificado, representante do Criador, e (4) usufruir de uma instituição religiosa para que a fé seja posta em prática, com a visualização desse caminho por meio de cultos, sessões, rituais, missas etc., tudo a um preço módico (dízimo), seja em dinheiro ou em dedicação.

É inegável que a religião ainda é válida para a grande maioria das pessoas e sua postura dogmática, dominante e irrefutável segue fundamentada na necessidade de prover beatificação, milagres, crenças e muletas espirituais para aqueles que precisam, atuando num mercado salvacionista o qual, se já não é tão estatisticamente dominante como em séculos pretéritos, ainda segue se beneficiando da lenta marcha evolucionária neste planeta. Embora o exercício de doutrinação usado por muitas religiões ainda seja visto como uma forma de manutenção de poder e interesse no domínio das massas, a questão mais significativa não deve ser colocada na intenção das religiões, mas na condição de vulnerabilidade dos seres humanos espiritualmente ainda dependentes de padres, igrejas e santos.

Tanto o poder material, na cobrança de dízimos às igrejas e o conseqüente enriquecimento de seus proprietários, presidentes etc., tornando igrejas verdadeiras empresas, com taxas de crescimento de fiéis e aumento de patrimônio, quanto o poder político, que já se espalha na mídia e nas eleições de vereadores, deputados, senadores e até presidentes da república.

O uso da fé como forma de enriquecimento material não é uma novidade. Na Idade Média a Igreja Católica vendia indulgências aos seus seguidores, com a promessa de que ela os daria acesso ao paraíso. Hoje o dízimo lhes garante a mesma coisa, quando Jesus voltar para reunir os pagantes e esquecer todo o resto pagão. Para os fiéis, o dízimo é justo e ninguém se recusa a pagar o valor por alguns anos de vida terrena se ele lhes dará em troca uma eternidade no paraíso. Isto é, as compensações de uma vida no Éden são muito mais valiosas do que apenas 10% do valor dos seus salários na Terra.

Além da discussão sobre o poder das igrejas hoje em dia, autores céticos costumam confrontar religião e ciência com a intenção de mostrar que não há razão alguma para se acreditar em Deus nem lógica em ser manipulado por um padre ou pastor. Mas esses escritores desprezam a condição do observado, isto é, a necessidade dos fiéis em ter crenças e alguém que os guie, seja um líder ou um salvador ou ambos, e descartam a realidade de que a média da humanidade ainda está muito aquém de conquistar e utilizar o pensamento científico nas suas convicções.

Tanto a religião quanto à ciência atendem a necessidades diferentes, na medida em que uma quebra paradigmas com o olhar no futuro, a outra tenta manter suas tradições com o olhar no passado. Desde o século XVI, porém, tem sido comum a visão de que a religião e a ciência empregam diferentes métodos para se dirigir a questões diferentes, sendo o método científico uma abordagem objetiva para mensurar, calcular e descrever o universo natural, físico e material e as religiões mais subjetivas, baseando-se nas noções variáveis de autoridade, revelação, intuição, crença no sobrenatural, na experiência individual, ou uma combinação destas para compreender o universo.

Infelizmente, a história da humanidade mostra que houve uso de intolerância, imposição e dogmatismo tanto das religiões quanto da ciência. Exemplos dessas intolerâncias são respectivamente a Inquisição na Idade Média e o método científico. Richard Dawkins, por exemplo, ridiculariza a crença em Deus com argumentos ditos por ele como sendo científicos, porém repletos de visões ditas como verdades absolutas, ignorando o âmbito das hipóteses pessoais através das auto-experimentações: a ciência convencional não coloca o pesquisador no centro da sua pesquisa. O seu olhar é sempre exógeno, no outro, externo à sua realidade intraconsciencial e, portanto, isento de exemplarismo e autovivenciologia.

O discurso sobre o papel das religiões hoje em dia ignora a importância que elas têm para uma grande maioria de consciências ainda imaturas para pensar por si mesmas e ignorantes o suficiente sobre os assuntos do além para distinguir o fato da crença. As religiões não deveriam estar no centro das discussões, e sim a vulnerabilidade do momento evolutivo do ser humano neste planeta.Se deve ser um princípio comum o respeito ao próximo, deve-se também evitar toda postura que deprecie ou desvalorize a concepção da consciência imatura e fira os valores de igualdade entre todos, quer advindos das religiões ou da ciência. Não é com desprezo que iremos entender aqueles que ainda precisam das religiões, nem tampouco caçoando da sua necessidade de busca espiritual que promoveremos alguma mudança.

Um olhar mais racional para o tema nos colocaria mais diretamente no cerne da questão: o momento evolutivo da humanidade. A discussão sobre o que as religiões têm feito e ainda fazem e qual o seu legado não responde a questão sobre a razão pela qual a humanidade ainda precisa de tais métodos religiosos, doutrinas, seitas, simbologias, rituais etc. A análise deve partir da realidade evolutiva do planeta a fim de encontrarmos hipóteses capazes de fazer o ser humano despertar para a sua realidade. Aqui já não vale a direção a ser tomada, isto é, a doutrina, o método etc, mas a condição de necessidade e uma proposta evolucionária capaz de alavancar a evolução humana no planeta. A busca espiritual por meio do outro deve dar lugar, primeiramente, à busca pela maturidade consciencial, quebrando, assim, o ciclo de existências na condição de máquinas controladas à distância.