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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Crônicas Fantásticas - Episódio 4: Delmiro Voltou para Contar Como era Morrer

Delmiro Fonseca nunca gostou em vida daqueles que psicografavam mensagens do além. Sua opinião era de que o psicografista é um ser humano vulnerável a equivocos como qualquer outro e, portanto, passível de manipulação espiritual, do descontrole das próprias emoções e influenciável psicologicamente pela ansiedade alheia. Por isso, decidiu que, quando moresse, voltaria de corpo presente para contar como era morrer. E foi assim que, um mês após a sua morte, ele apareceu sentado ao pé da cama de sua irmã, Dalva, no meio da noite, com o corpo diáfano envolto numa nuvem espessa de ectoplasma. Ela não se assustou com a sua presença. Estava ainda na confulsão mental do sono quando aos poucos a imagem do irmão surgiu nitidamente diante dos seus olhos. Delmiro tinha uma expressão suave e serena. Dalva já havia tido com Delmiro algumas vezes desde que ele partiu, mas todas em projeções semilúcidas com imagens oníricas nas quais não sabia ao certo se o irmão estava feliz na outra dimensão ou resignado com a nova vida, pois ele lhe aparecia sempre ocupado, atendendo outras pessoas na antesala de algum lugar que lhe pareceu ser uma clínica para loucos. 

Quando viu que Dalva podia vê-lo com clareza, se desculpou pelo tom fantasmagórico que o ectoplasma lhe dava, mas que de outra forma não poderia se mostrar de corpo inteiro, como ele queria. A irmã entendeu e lhe tranquilizou dizendo que essas aparições não mais lhe assombravam desde o dia em que teve com o pai um encontro ali mesmo no quarto, para esclarecer alguns pormenores do testamento. Ele sabia do episódio e respondeu à irmã com um sorriso. Dalva perguntou qual seria o motivo da visista e Delmiro explicou que a intensão era aliviá-la dos tormentos filosóficos a respeito da vida e da morte. Os irmãos trocaram olhares saudosos e contiveram a ansiedade para não dar cabo da serenidade do encontro. A vantagem que o dom de ver e falar com os dessomados proporcionava era estender a vida para além dos seus limites físicos e fazer com que os que ficaram não sentissem saudades daqueles que partiram para outra dimensão, pois ambos os domínios existiam paralelamente e estavam interligados, como se ambas as realidades fossem uma só.

Quando dessomou, Delmiro Fonseca estava no seu segundo ano de profissão como médico psiquiátrico. Havia sido um estudante de medicina exemplar e conquistado a confiança dos professores de tal maneira que, logo que terminou o seu estágio no hospital da universidade, eles lhe conseguiram uma posição numa das clínicas de psiquiatria mais prestigiadas da cidade. Na família, Delmiro era o irmão conciliador entre os cinco que seus pais tiveram, um casal que construiu uma família numerosa, mas bem entrosada. Desde pequeno demonstrava talento para a medicina e mesmo antes de entrar na faculdade já sabia que queria se dedicar a cuidar dos mais pertubados. Em casa, quando alguém demonstrava perder as estribeiras, era ele quem apaziguava o torvelinho e restaurava a paz. Fez isso tantas vezes que passou a ser o conselheiro de todos, inclusive de muitos parentes, até alguns distantes, de modo que ninguém tomava uma decisão sem antes se consultar com ele, pois as suas sugestões eram sempre razoáveis.

Mas no recolhimento Delmiro vivia os seus momentos de confulsão mental e angústia, que ele resolvia calado, sem exacerbações e à base do recondionamento de suas energias vitais, o que nem sempre lhe era fácil, mas possível com o esforço da meditação. O seu controle emocional era bom o suficiente para que muitos o julgassem de outro mundo. Entre os colegas da faculdade, era sabido que Delmiro havia aterrissado neste planeta proveniente de uma galáxia distante, onde os nativos superaram quase totalmente as agonias das emoções e usavam o bom senso para recarrilhar a vida quando esta saía dos trilhos. Delmiro se defendia dizendo-se humano como todos, em serviço neste planeta-hospital, frágil como qualquer consciência intrafísica e vulnerável ao desengano como qualquer mortal. Em casa, a sua ligação com a irmã Dalva sempre fora especial. Desde pequenos passavam grande parte do dia juntos e dividiam as mesmas angústias sobre as perguntas irremediáveis da vida. Ela se tornou psicóloga não por talento, mas para agradar ao irmão. E o fez com tal convicção que a profissão terminou por conquistá-la. Delmiro fizera valer essa interação cósmica com a irmã para assentar as bases da sua aparição, com o ectoplasma que ela podia lhe ceder para o encontro de corpo presente.

Naquela noite, Dalva estava preparada para anotar tudo o que o irmão lhe narrasse, mas não pode conter a ansiedade para saber do outro mundo, pois essa sempre foi uma de suas curiosidades mais insondáveis. O mundo extrafísico lhe reservava grandes mistérios desde pequena, quando descobriu que podia ver e se comunicar com os espíritos, primeiro em sonhos, depois com o aprimoramento da projeção para além do corpo físico. Era ela quem servia de intermediário entre os dois mundos, quando alguém na família queria ter notícias daqueles que haviam partido. Mas os contatos só aconteciam quando Dalva estava em transe, de modo que nunca teve o controle da situação. As perguntas aos espíritos eram feitas quando ela sucumbia ao próprio esquecimento, dominada numa condição comatosa, em que não sabia o que perguntavam os parentes nem tampouco o que os espíritos da família respondiam. Quando retornava ao corpo físico, Dalva parecia despertar de um sono profundo, de maneira que suas dúvidas permaneciam insolúveis ao final desses encontros e seus mistérios intocáveis. Ela tampouco tinha com os espíritos com lucidez suficiente para se perceber viva. Na presença deles, Dalva se sentia do outro lado, como eles, e esquecia as diferenças que os separavam entre os dois mundos, interligados mas distintos. Servia mais como um receptáculo de mensagens espirituais. Chegou a estudar o assunto, mas nunca passou de uma simples mensageira entre esses universos.

Ali, diante do irmão, experimentava pela primeira vez uma lucidez decente, apesar das emoções fluírem sem que ela tivesse qualquer controle sobre elas. Esforçou-se para lembrar de suas dúvidas e questionamentos a fim de não desperdiçar mais uma oportunidade de ter com alguém do outro mundo uma conversa sensata e esclarecedora. A lucidez que conseguiu resgatar foi suficiente para saber se o irmão havia sofrido na passagem deste para o outro mundo, se havia túneis de luz como muitos atestavam, escadarias entre nuvens iluminadas por anjos com trombetas, guias espirituais vestidos de branco para indicar o caminho para a procedência extrafísica e parentes próximos recepcionando os recém dessomados. Queria enfim, saber se tudo que contavam na Terra condizia com a realidade vivida pelo irmão. Delmiro voltou a lhe sorrir ao saber das suas dúvidas. Enquanto na Terra, ele compartira com ela as mesmas perguntas, agora, ele parecia superior a elas, aos arroubos da imaturidade neste planeta-enfermaria. Mas não se mostrou arrogante. Seu semblante indicava a paz que devia ter encontrado no outro mundo, uma paz desconhecida dos vivos daqui.

Delmiro contou que o motivo da visista era também para aliviar a saudade e mitigar a angústia que ela sentia com a sua falta. Mas não poderia tirar todas as suas dúvidas como ela esperava porque, na verdade, elas eram apenas produtos da sua fantasia. Delmiro explicou que se Dalva queria saber do mundo extrafísico, ela atentasse para o mundo físico, pois este era um reflexo do que havia do outro lado. “Não deixamos de ser quem somos quando partimos daqui,” disse ele com sua voz diáfana. “Assim como não deixamos de fazer o que fazemos aqui, quando vivemos em outra dimensão. A diferença é que lá não convivemos com todos, apenas com os semelhantes, pois somos condicionados a nos relacionarmos apenas com aqueles de igual padrão evolutivo. As dimensões se equiparam e a vantagem da vida na Terra é justamente a de lidar com as diferenças. Para uma morte tranquila é preciso viver na dimensão intrafísica sem medo da morte; para conviver de maneira sadia é preciso escolher as boas amizades na Terra; para qualificar a sua vida do outro lado é preciso qualificar a vida por aqui; para sanar as angústias do corpo físico é preciso buscar a serenidade espiritual; para saber o que se faz lá é preciso ter consciência do que se faz aqui, pois somos uma única consciência e a vida não reparte existências e nem nos divide em dimensões.”

Depois disso, a neblina espessa de ectoplasma foi aos poucos se dissipando em torno de Delmiro e sua imagem se tornou difusa até perder-se de vista por completo. Dalva ficou imóvel, sentada na cama, observando o tênue rastro esbranquiçado deixado pelo irmão na penumbra do quarto. Mas, ali, ela não sentia mais o vazio e o abandono de espírito que a morte de Delmiro havia lhe causado, nem tampouco a inquietude dos seus quetionamentos. Seu corpo estremecia com descargas elétricas fugazes e percebia que as suas energias vibravam prazerosamentre. Experimentava um misto de saudade saciada e serenidade espiritual. Viveu aqueles minutos sem ser incomodada por qualquer emoção descontrolada, até que, sem perceber, mergulhou no sono que a levaria de volta ao mundo extrafísico.

Um comentário:

  1. "..lá não convivemos com todos, apenas com os semelhantes, pois somos condicionados a nos relacionarmos apenas com aqueles de igual padrão evolutivo.." aqui nao é diferente. aqueles pelas quais não afinizamos não enchergamos. Muitas vezes nos sentimos sozinhos no meio da multidão. e aqui é justamente o espelho de lá. Podemos quando queremos mergulhar em universos de pensamentos diferentes e sentir a diversidade de sintonias existentes em niveis de consciência. O ser quanto mais evoluído, mais liberdade tem de se movimentar nas diferentes dimensões. seja no soma ou fora dele, seja no tempo ou no espaço..

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