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sábado, 30 de outubro de 2010

Crônicas Fantásticas: Episódio 2 - O Homem que Não Tinha Conserto

Adamastor Moura fora uma criança que nascera com defeito. Seus pais haviam esperado nove anos para tê-lo, o que foi conseguido com muita obstinação e por meio de dietas draconianas e tratamentos médicos intermináveis. Sua mãe se submeteu ao suplício de viver à base de proteínas vegetais e grãos, reduziu os carboidratos refinados na sua rotina alimentar e descartou a ingestão de qualquer tipo de comida polisaturada e que contivesse gordura trans. Fez indução de ovulação, com injeções de hormônio aplicadas pelo médico da família, o que não lhe trouxe resultados, e pensou em inseminação artificial. Mas o marido foi prontamente contra a idéia de fazer by-pass nos preceitos ensinados por sua igreja, de modo que abandonaram a opção por completo antes mesmo de considerá-la sob algum ponto de vista.


Nem as rezas do pastor nos sermões dominicais de desobssessão, nem os chás curativos de uma avó indígena e tampouco as mandingas de uma mãe-de-santo da vizinhança pareciam surtir efeito e causar qualquer mudança no quadro de infértil produção da futura mãe de Adamastor e no destino do casal, aparentemente, malfadado a viver sem rebentos. “Por que vocês não tentam o PDG, um exame médico capaz de identificar embriões portadores de doenças,” sugerira alguém da família. “O sofrimento será menor se souberem que não podem gerar filhos saudáveis.” Porém, contrariando todos os prognósticos multireligiosos e os diagnósticos científicos da medicina, numa época de grave desengano e profunda desilusão, o casal por fim recebeu o resultado positivo de um exame de gravidez, realizado às pressas depois do primeiro enjoo desde que ela começou a enfrentar o martírio das privações alimentares e as imprevisões das visitas médicas quinzenais.

Sete meses mais tarde, a equipe médica deu luz a Adamastor. Mas o rebento nasceu com um defeito de fábrica e passou semanas na oficina da maternidade, esperando peças para o coração, dormitando num quadro clínico que exigia uma recalchutagem complicada e completa. E para piorar ainda mais, os técnicos não conseguiam avaliar com precisão a causa do mal funcionamento das suas artérias e o mantiveram em observação por um longo tempo, o que era possível sem custos, pois ao receberem a criança, seus pais optaram por pagar a diferença e ter uma garantia estendida de cinco anos. Aquele primeiro conserto não corresponderia, no entanto, nem a um terço dos problemas técnicos que Adamastor Moura viria a apresentar mais tarde. Depois de trocar algumas artérias logo na entrega do produto, a criança precisou mais tarde trocar algumas peças do braço ao cair de bicicleta. Para piorar, o acidente aconteceu dois dias depois do término da garantia de cinco anos, de modo que seus pais agora tiveram de desembolsar uma nota fabulosa para a oficina especializada naquele tipo de conserto, porque, como se não bastasse o transtorno de ficar sem usar a criança, as peças do braço tinham que ser importadas e isso levava algum tempo, pois o pedido tinha que ser feito online e as peças enviadas por correio num prazo de trinta dias. 

Os pais de Adamastor conviveram com vários outros problemas técnicos apresentados pelo filho na infância, trocando e atualizando tudo que era necessário. Todos os anos, faziam a revisão geral para seguirem com a licença do usuário em dia, até que a criança cresceu e assumiu seus próprios consertos. Mas Adamastor se tornou um adulto problemático. Seu desleixo causava transtornos de funcionamento e muitas peças que precisavam de reciclagens ficaram obsoletas e caíram em desuso. Tentou alguns relacionamentos, mas boa parte do seu mecanismo enferrujado não funcionava conforme prometido no ato da compra e todo o equipamento acabava sendo trocado por outro mais novo e mais atualizado. Foi aos poucos perdendo valor de mercado e se tornando uma mercadoria difícil de ser vendida, de modo que Adamastor não casou nem teve filhos, como era seu desejo. Esquecido em algum cômodo do seu apartamento, ou frequentemente jogado no sofá, ele não tardou a perder suas funções e enferrujar de vez. Sem reciclar suas peças mais débeis e trocar o que era preciso, ele foi aos poucos sendo esquecido por si mesmo e se tornou uma peça sem função. Quando o encontraram quatro meses mais tarde, não prestava mais para nada e foi levado para um antiquário, onde foi vendido como peça de antiguidade.

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